Motivado por uma entrevista programada por um periódico, abordei o tema disparidade salarial no Brasil, tanto na perspectiva dos gêneros masculino e feminino, quanto entre negros e não negros e entre o sudeste e o nordeste.  Dentro da visão apresentada, acrescentei que os dados do IBGE, provavelmente, trariam reduções progressivas de tais diferenças ao longo do tempo, uma vez que as considero ainda parte de um processo de mudança lento, gradual, contínuo e – certamente – inexorável.

Para minha surpresa, o que seria apenas uma postagem, acabou por gerar participação mais intensa de amigos e leitores em geral, algumas diretamente no blog e, uma parte comparativamente mais expressiva, para o meu e-mail pessoal, atraindo, inclusive, grupos dedicados à reflexão sobre diversidade e redução de eventuais desigualdades.  Embora a maior parte tivesse de acordo com a leitura e a abordagem, houve quem entendesse o texto como algo que buscava justificativa para as diferenças.

É possível, em relação às diferenças salariais entre homens e mulheres, explicitar alguns dados colhidos através do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) e da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e disponibilizados pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica da USP (FIPE/USP).

Analisando-se os dados hoje disponíveis, sem considerar estado da federação, faixa etária, setor, cor e escolaridade, mas apenas o gênero, observa-se um “gap” entre o salário médio de admissão de homens e mulheres, desfavorável às mulheres.  Em posições técnicas, gerenciais e de direção, cuja formação superior predominante envolve área humana ou social aplicada, o salário médio das mulheres representa 0,85 da média masculina.  Em áreas de engenharia, tecnologia da informação, pesquisa e desenvolvimento, o padrão salarial feminino cai para 0,72.  No nível de maior interação na condução da empresa – em posições de alta-liderança, o patamar desce para 0,59.

Quando isolamos, no referido estudo, dois importantes estados da região sudeste, para uma determinada posição de diretoria, o salário médio das mulheres sobe para 0,96 do salário dos diretores do sexo masculino.  Ao analisar, por outro lado, dois estados da região nordeste, no mesmo cargo, a proporção dos salários do sexo feminino cai para 0,75.

Entre os segmentos ou setores analisados, o de construção civil, com 0,66, apresenta a maior diferença entre os salários de homens e mulheres nas posições de staff analisadas, todas – lembrando – com exigência de formação superior.  A indústria aparece em segundo, apontando uma relação de 0,77.  O comércio, com 0,70 e, serviços, com 0,80, complementam o quadro estudado e auxiliam na demonstração dos “gaps”.

Conforme observado anteriormente, há diferenças ainda expressivas entre salários de homens e mulheres no Brasil, tanto no conjunto dos dados do CAGED/RAIS, como analisando-se os diversos setores da economia. Não se pode, no entanto, apenas inserir o foco nas disparidades entre homens e mulheres, na medida em que a FIPE, através do www.fipe.org.br, também permite comparação salarial entre mulheres brancas e negras, tanto no conjunto dos dados, como em relação aos setores pesquisados.

No setor de serviços, por exemplo, nos mesmos cargos analisados anteriormente, mulheres negras apresentam salários 45% inferiores aos praticados para mulheres brancas, apontando 0,55 na relação entre os salários médios de contratação.  Na indústria a defasagem cai para 28%, representando 0,72 na comparação, seguida pela construção civil, com 20% de defasagem ou 0,80 na comparação.  Por último – e apresentando a menor disparidade – aparece o setor de comércio com um “gap” de 17% ou 0,83 na análise comparativa.

Além das disparidades salariais entre mulheres negras e brancas, quando comparados os salários de admissão provenientes do CAGED/RAIS, observa-se ausência de comparação em quase 67% da amostra para indústria, construção civil e comércio e, na ordem de 56%, de ausência de dados, para o setor de serviços, tendo em vista a inexistência de contratações de mulheres negras no período.  É importante frisar, no entanto, que os dados disponíveis refletem as contratações realizadas nos últimos seis meses do ano de 2010, o que não captura os dados salariais dos que se encontravam empregados naquele momento.

Estatísticas robustas, com amostra mais expressiva em cada uma das alternativas de análise – estado da federação, faixa etária, setor, cor, escolaridade e gênero – podem produzir reflexões ou ações mais amplas, direcionando esforços e atenção apropriados.  Discussões sobre cota racial ou cotas para gênero – à luz dos dados disponíveis – poderão se curvar às evidências, permitindo que uma atenção maior seja dada à porta de saída (condição de igualdade no mercado de trabalho), em vez dos holofotes apresentados em relação à porta de entrada (cota e condições diferenciadas de acesso).

Muito provavelmente, estados com economias mais fortes e competitivas tenderão a eliminar, no médio prazo – e pela lei natural de oferta e demanda – diferenças que ainda são observadas nas estatísticas oficiais.  No contexto organizacional das empresas que operam nesses mercados, e que buscam o melhor do potencial humano, no entanto, esse momento já foi superado ou está muito próximo, ressalvado o “mind-set” ainda predominante discutido na postagem anterior.

Marcelino Tadeu de Assis
Autor do livro “Gestão de Programas de Remuneração: Conceitos,
Aplicações e Reflexões” (Qualitymark, 2011)


Marcelino Assis

Graduado em Ciências Administrativas, pós-graduado em Administração e em Educação a Distância, além de mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial.

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