Mobilidade e cultura: autenticidade relativa na mobilização de grupos globais

Comentei recentemente sobre o processo de imigração de estrangeiros, bem como sobre as principais razões que levam organizações – instaladas no Brasil – a necessitarem de profissionais dos mais variados cantos do mundo. Registrei, superficialmente, alguns dos desafios que os profissionais de RH encontram diante de um fenômeno (relativamente) recente, mas que cresce exponencialmente ano após ano: a mobilidade internacional e o impacto do aspecto cultural envolvido. E é sobre isso que compartilho algumas reflexões, tentando focar sentimentos potenciais, ao invés das diferenças clássicas em crenças, costumes e valores.

Até recentemente – embora o termo recentemente seja volátil – nosso ponto de partida para o gerenciamento de pessoas estava na compreensão das teorias da motivação, no entendimento das diferenças entre chefe e líder e na responsabilidade administrativa e operacional dos gestores enquanto mobilizadores de recursos financeiros, humanos, materiais e tecnológicos para a obtenção de resultados organizacionais.

Muitos de nós – inclusive – acreditava na ideia de tratamento igual para as pessoas, tendo em vista a essência da natureza humana, principalmente dentro do ambiente organizacional. Muitos de nós, dentro de um contexto mais fechado e regido por normas comuns, tomava como referência exclusivamente o próprio ponto de vista e o desejo de autenticidade.

A redução progressiva das fronteiras, no entanto, exige, para muitos profissionais, em centenas de organizações que operam no Brasil, uma sensibilidade mais ampla sobre as diferenças quando estas não estão em processos, em sistemas ou em regras, mas sim em aspectos culturais que influenciam sentimentos de pertencimento ou de não pertencimento; de competência ou de relativa incompetência; de conforto ou de desconforto;

Para Molinsky , professor na Brandeis University’s International Business School (www.hbr.org), o trabalho multicultural pode exigir que a liderança se sinta – de certo modo – “pouco autêntica” ou “mesmo incompetente”. Ele cita em seu texto – e apenas como exemplo – dificuldades culturais entre italianos, indianos, americanos, koreanos e israelentes quando o tema é dar e receber feedback, mobilizar a atenção do outro, usar ou não a crítica para apontar melhorias, adotar uma postura mais ou menos assertiva, autoritária ou paternalista.

Avançaremos nesses sentimentos e na forma de potencializarmos os resultados positivos dessa interação multicultural. Agora que introduzimos sobre o ambiente de transformação, os paradigmas que tendem a limitar a percepção do outro e a efetividade na condução de times multiculturais. Apoiamos nossa reflexão no texto de Molinsky (www.hbr.org), considerando-se um desenho de mundo progressivamente diferente, complexo, plural.

Para ele, estamos diante do desafio adicional de buscar uma “capacidade de modificar o comportamento em situações específicas para acomodar diferentes normas culturais”. Isso requer muito mais do que certa mentalidade, informação e motivação para agir. Requer uma “capacidade para gerenciar os desafios psicológicos que surgem quando alguém tenta traduzir o conhecimento cultural em ação”. Essa necessidade de entendimento, de acomodação e de ajustamento de percepção – faz com que executivos entrem em “conflito com suas crenças e valores enraizados”, gerando ansiedade e até mesmo vergonha por agirem fora da zona de conforto e, de certa forma, fora da sua identidade.

Isso é potencializado em função de outro paradigma do quotidiano. Na perspectiva mais comum, são os subordinados que precisam normalmente se acomodar ao modo de ser e de agir de suas lideranças. Nesse novo contexto, lideranças de times globais precisam – com todo o risco do desconforto e da (relativa) perda da autenticidade – se ajustar às diferentes visões de mundo; às diferentes visões do outro. Isso pode gerar uma insatisfação, irritação e forte sentimento de incompetência.

O que fazer? Diagnosticar os desafios é a primeira etapa em direção ao sucesso da empreitada, segundo Molinsky. A segunda, para o autor, envolve adaptar o seu comportamento para otimizar a comunicação, o entendimento e o alinhamento de expectativas. A terceira – e talvez a mais difícil delas – é apreciar o valor dessa compreensão e os ganhos que ambientes plurais podem trazer para o aperfeiçoamento de indivíduos e dos povos em geral.

Esse trabalho de sensibilização, que envolve perceber as diferenças a partir da perspectiva de outra cultura – e não a partir de sua lente – é parte do dia a dia dos que operam nesse ambiente de plena mobilidade, conforme reforça Patrícia Araujo, diretora de Recursos Humanos e Relocation da MRS Global (www.mrsglobal.com.br). “Falar a língua do outro”, para Patricia, exige o uso de um vocabulário ainda mais amplo do que aquele inserido nos dicionários. Esse “mind-set” global – trabalhado em processos de mobilidade – amplia o número de palavras, de expressões e, mais do que isso, o leque de sentimentos, de ações e de reações potenciais. Entender a linguagem do outro pode ser um diferencial importante e capaz de potencializar o trabalho – e o sucesso desse trabalho – em diferentes ambientes culturais.

Marcelino Tadeu de Assis
Autor do livro “Gestão de Programas de Remuneração:
Conceitos, Aplicações e Reflexões” (Qualitymark, 2011)

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Marcelino Assis

Graduado em Ciências Administrativas, pós-graduado em Administração e em Educação a Distância, além de mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial.

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