Eu coloquei trilhos em terrenos que não conhecia. Não sabia se afundaria, se seria uma superfície irregular que faria o trem inteiro chacoalhar, ou se até mesmo este não iria se descarrilhar. O fato é: Eu não sabia pilotar um trem, muito menos uma máquina tão moderna cheia de botões que faziam me sentir em um foguete.
Ser passageiro tem suas vantagens, ser o maquinista, suas responsabilidades. Sendo assim, eu jamais veria a paisagem na janela? Deixaria de contar o gado ao redor dos pastos por onde eu passava? Durante a aventura olhei apenas para a frente. Aprendi a pilotar e criei novos botões, eu queria mais.
Abri as portas para inúmeros passageiros, parei em diversas estações, e em nenhuma delas a grande máquina chamava tanta atenção.
Os passageiros, cada vez em menor quantidade, pareciam se esconder da enorme lata. Era uma máquina diferente, funcionava dia e noite sem parar, não era necessário descanso.
O combustível sim, este era necessário e custava os olhos da cara. Mas nenhum combustível seria suficiente, não havia o apito do trem. Sinos soavam despercebidos, alto falantes confundiam palavras esgoeladas em meio a multidões, nas estações. A grande máquina continuava a rodar dia e noite, todos os dias do ano, mas os passageiros esperavam sempre o próximo trem.
Chegamos a mais óbvia conclusão que um trem não tem o menor valor sem o seu apito. Escolhemos então o apito mais vistoso, que aveludasse os ouvidos e adocicasse a curiosidade de todos.
O povo então, acostumado com o gosto gorduroso e caro de outros pratos, se encantava com o banquete de guloseimas psicológicas sobre a mesa.
Mas quem disse que eles queriam um banquete? Tudo aquilo era o muito que representava pouco. Para uma senhora, o biscoito que acompanha o café era mais importante que a bebida. Para o homem, a cerveja mais barata do armazém o levaria ao gozo do encontro nupcial.
Não restava outra solução: Desmontar os trilhos e aposentar a grande máquina. E foi exatamente entre a tristeza de ver aquela grama antes verde e molhada, agora maltratada pelo peso da máquina, e ao olhar o horizonte esperando a próxima chuva, que percebi o que jamais havia notado. Os trilhos formavam uma rota em círculos. Por mais que houvessem mil estações, estávamos todos presos no vício de olhar para a máquina e não para a rota.
Jamais venderíamos um novo bilhete, jamais proporcionaríamos uma nova viagem. Estaríamos sempre transportando a sombra, que esta sim mudava de um banco para outro ao passar do dia. Resolvi comprar uma bicicleta sem freios, e talvez algum dia a insanidade suba na garupa.
Terei que interromper o resto da história agora, pois ainda estou no embalo da descida de uma grande colina.
Crônica do empresário Raphael Grieco, Vegas Eyewear